quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Li o texto abaixo no site Digestivo Cultural. Isso sim é uma história de terror.


Confissões de um escritor
Charles Kiefer

Recebi, meses atrás, a prestação de contas de direitos autorais do primeiro trimestre de 2010, de uma de minhas editoras. Um dos livros de que mais gosto, e ao qual dediquei um esforço especial, Logo tu repousarás também, de contos, vendeu, em três meses, 3 exemplares! Isto mesmo. Do Oiapoque ao Chuí, vendi três exemplares. Receberei, sobre estas vendas, R$ 8,47 (oito reais e quarenta e sete centavos)!

Esta é a realidade dos escritores brasileiros. Certo, talvez seja apenas a minha realidade. Na década de 80-90 do século passado, eu vendia milhares de exemplares de Caminhando na chuva, por semestre. Hoje, em editora grande, publicado em São Paulo, vendo entre 25 e 40 exemplares por bimestre. Vendo hoje cinquenta vezes menos do que vendia há uma década.

O que houve? Por que os meus leitores me abandonaram?

Em primeiro lugar, porque os meus textos ficaram obsoletos. A realidade, e é sobre isso que escrevo, não tem mais apelo mercadológico. Quem se interessa pela vida de sem-terras e pequenos agricultores, e outros infelizes e deserdados que habitam a minha Pau-d'Arco imaginária?

Tentei o assassino em série, migrante na capital, e não acertei. Escrevi um livro complicado, demoníaco, como sugeriu um crítico local, O escorpião da sexta-feira, que assusta, incomoda, e os novos leitores querem amenidades. Na era do hedonismo e da imortalidade, lembrar às pessoas que um dia elas irão repousar sob sete palmos de terra, como se dizia antigamente, é fazê-las largar o livro antes que ele queime as mãos desavisadas.

Em segundo lugar, porque ninguém mais compra livros. Ao menos não os meus! Enquanto o meu blog já foi lido por mais de 12 mil pessoas nos últimos três meses, vendi 3 exemplares de meu melhor livro de contos!

Em terceiro lugar, porque o número de escritores, na última década, multiplicou-se geometricamente, enquanto que o número de leitores (de livros) aumenta aritmeticamente, se é que aumenta. (Suspeito de todas as informações que dizem que os livros estão vendendo cada vez mais). Provei, estatisticamente, que a Feira do Livro de Porto Alegre perdeu, no último lustro (alguém ainda se lembra que isso significa quinquênio?), mais de 30 por cento de seus compradores.

Pela inflação no mercado brasileiro de escritores, sou diretamente responsável, pois minhas oficinas lançam no sistema literário dezenas de excelentes novos autores e autoras a cada ano. Há 15 anos, um grande escritor dos pampas me disse: "Pô, tu estás jogando contra a gente! Daqui a pouco, não teremos mais leitores".

Ele tinha razão.

Só me resta, agora, convencer aos meus alunos a comprarem livros. Alguns não compram sequer os lançamentos dos colegas. Não conheço tipo social menos solidário que escritor. Eu mesmo, que compro uma boa quantidade de livros de meus alunos em seus lançamentos (mas somente obra que tenha passado pelo meu crivo editorial), não o faço por caridade. A despesa que tenho já está embutida no preço da mensalidade...

9 comentários:

  1. Sinistra realidade... mas não culpo os temas dos livros... culpo o leitor de hoje, o mundo corrido... os e-books são alternativa... ninguém aprecia mais passear as mãos pelas páginas; sentir o cheiro da folha logo na livraria, antes mesmo de levar o livro... vamos acabar sendo colecionadores de quinquilharias qual são os que hoje inda cultivam os vinis... :/

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  2. Há também uma adolescentização da cultura de massa. Acontece no cinema, acontece na música e acontece na literatura. Os grandes investimentos da indústria cultural vão para as obras voltadas ao público infanto-juvenil que, parece, é o maior consumidor. O leitor médio, como você bem sugere, não tem tempo para ler, não tem dinheiro para ir com a família ao cinema/teatro, e música só a que toca em algum rádio no caminho do trabalho.

    A arte não vai acabar, mas o artista que vive de arte vai diminuir consideravelmente sua presença em nossa sociedade. A informática facilitou muito as coisas para o artista, para o bem e para o mal: hoje é mais fácil publicar um livro, gravar um cd, dirigir um vídeo, mas é mais difícil distribuir, divulgar e vender. Pode-se argumentar que não há maior vitrine do que a web, mas isso é relativo. São poucos os que alcançam um sucesso satisfatório, e não é por causa da existência ou não de qualidade no trabalho. Na verdade, na grande vitrine da comercialização artística, qualidade é o que menos se vê.

    Mas isso dá pano pra muita manga.

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  3. Adoro cheiro de livro. Adoro saborear as páginas, sorver seu conteúdo aos poucos. Leio em casa, no ônibus, no intervalo corrido do almoço. Estar com um livro em mãos é uma sensação que e-book nenhum, jamais, vai proporcionar.

    Aliás, devorei seu livro: dormia com ele do meu lado, lia em cada instante de folga e o levava para passear. Como se faz com um bom e velho amigo.

    Beijo.

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  4. Rosa, tenho certeza de que o livro adorou.

    Muito obrigado.

    Beijos,
    Maurício

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  5. Rapaz, não existe comparação entre um e-book e um livro real, é uma outra realidade, até a postura de leitura é outra, pelo menos pra min ler um livro real é mais que necessário, mesmo que por acaso venha a ler um e-book. Meu sonho é lançar um livro, mas infelizmente enquanto isso não chega eu escrevo um e-book gratuito. Abraços Maurício.

    Quem quiser conhcer meu e-book, confira meu blog:
    www.laerte-lopes.blogspot.com

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  6. Laerte, antes de lançar um e-book gratuito, tente uma dessas editoras que imprimem por demanda, como a Multifoco (que publicou "O Adversário") ou o Clube de Autores. Os links são:

    http;//www.editoramultifoco.com.br/
    http://clubedeautores.com.br/

    Boa sorte, sucesso, abração.
    Maurício

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  7. Texto do car**lho! Assustador, de verdade. Mas também é um consolo para os autores em geral. É um: "não é só comigo".

    Também escrevo (Ficção Científica e terror), e tenho pensado muito sobre isso ultimamente, no meu blog: e-books gratuitos, direitos autorais, mercado editorial, etc. Seria importante ter as opiniões suas, Filmantes, e também de outros autores / leitores sobre isso.

    Se puder, dêem um pulinho lá:

    http://tinyurl.com/tecnobardo7
    http://tinyurl.com/tecnobardo8
    http://tinyurl.com/tecnobardo9

    Abração!

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  8. Já estou indo lá, Osíris.

    Abração,
    Maurício.

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