sexta-feira, 29 de março de 2013

Escória

É noite e o casal se reencontra após outro dia exaustivo de trabalho.

Paranhos e Maria Flores.

Juntos há pelo menos duas décadas, muito já se amaram, muito já viveram, hoje não se suportam. Vivem juntos porque vivem juntos. Nesse quitinete muito mal localizado. Vivem juntos - ainda vivem, sobrevivem - porque não precisam se falar, tem a televisão de 20 polegadas que fala e pensa por eles. A televisão é nossa aliança, diriam. É ela quem nos deixa mansos, é ela quem nos acolhe e nos ajuda a digerir essa vida que não desce. Essa vida que cisma em nos fazer de escória. Graças a Deus a televisão existe, eles diriam. Só ela encobre todo o passado, todo o rancor, toda a enxurrada de equívocos que tem sido a vida disto que na aparência lembra vagamente um casal. E que está tão misturada e tão bem caracteriza a realidade brasileira.

Isso eles diriam, certamente diriam, se parassem pra pensar no assunto. Se não estivessem tão ocupados, assistindo a novela, o telejornal e o programa de auditório. Não fosse por isso, até responderiam. E ainda dedicariam todas as loas, todas as palmas ao solidário eletrodoméstico.

Mas hoje a televisão quebrou.

ESCÓRIA: UMA COMÉDIA RUDE NUMA NOITE ÁSPERA é meu primeiro texto escrito para teatro. Está disponível aqui. Aguardo sua visita.

 Abraços, Maurício.