quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Infância





“Você nasceu com duas cabeças”, disse o irmão mais velho ao caçula. “Uma inteligente e outra burra. Tiveram que cortar uma delas. Só que cortaram a cabeça errada. Por isso que você é assim.”

Contrastando e combinando com a crueldade do irmão mais velho, que o levava a fazer afirmações como esta, havia a ingenuidade do mais novo, que o levava a acreditar.

Foi então o irmão mais novo consultar a mãe.

“Nasci com duas cabeças? Cortaram uma delas? Ficou apenas a burra, mamãe?”

A mãe puxou carinhosa o pequeno para junto de si.

“Claro que não. Você nasceu normal e lindo e nós o amamos muito. É um menino inteligente e querido. Eu e seu pai somos muito felizes por ter você conosco. Você traz luz às nossas vidas e nos tornou pessoas melhores.”

Com lágrimas nos olhos o menino abraçou a mãe e o pai que estava por perto. Depois foi correndo esfregar na cara do irmão as palavras que guardaria na memória para o resto da vida.

“Será que eu fui convincente?”, a mãe perguntou ao pai. “Será que ele acreditou?”

“Deve ter acreditado”, disse o pai. “O menino é muito burro.”

“Ainda acho que não deveríamos ter cortado uma das cabeças. Ele poderia muito bem ficar como o avô.”

“Ah, não. De monstro na família, basta o teu pai.”