sábado, 24 de outubro de 2015

Confiança



“Você precisa aprender a confiar nas pessoas.”

Enquanto as palavras dela iam se repetindo e repetindo na minha cabeça dilacerada por pensamentos que não eram os meus, eu a via, da janela, a se afastar da casa.

Eu jamais confiaria nas pessoas. Nem nela. Jamais entregaria a minha paz nas mãos de outro. No quarto, revirando as coisas dela, fui encontrar o cartão com o recado no verso, e isto foi o suficiente para que os sons, as vozes, as imagens sujas dela nos braços de outro, recomeçassem. E dentro da noite eterna que o meu coração abrigava ela, antes luz, agora não passava de mais uma sombra.

“Você viu o meu remédio? Não está atrás do espelho no banheiro.”

Eu respondia que não. Não teria acabado? Ela procurava, procurava. A caixa era nova, dizia. Não poderia ter acabado tão rápido. Havia sumido.

Uma semana depois, o vestido favorito dela aparecera com uma queimadura de cigarro. Mas nenhum de nós fumava.

“Deve ter sido na rua”, falei.

Quando ela começou a achar que alguém a seguia, sugeri tratar-se de algo espiritual. Muitas coisas estranhas seguidas. Talvez ela devesse procurar alguém. Ela não quis.

Numa manhã de domingo, porém, acordei com seus gritos vindos do banheiro. Alguém havia lhe cortado boa parte dos cabelos. Chorava desolada, qualquer pessoa, menos eu, se apiedaria de sua angústia.

Ela começou a emagrecer. Os olhos pareciam ir se afundando dentro do rosto como se os ossos estivessem se desmanchando. Estirada na cama, ela me perguntava o que estava acontecendo, e a cada indagação era mais fraco o som de sua voz.

Ela morreu num domingo. Segurava a minha mão, quando o ar começou a lhe faltar. Fiquei olhando enquanto sufocava, e tudo o que conseguia pensar era em como as pessoas não são aquilo que imaginamos.