quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Hóspede





Quando fui fazer intercâmbio, estranhei a dona da casa, todas as noites, se levantar da cama e caminhar pela casa. Sussurrava palavras incompreensíveis como o som das pequenas vidas que não enxergamos quando entramos numa floresta.
 
Hóspede na grande casa, evitei comentar com a proprietária o seu sonambulismo. Não me pareceu educado. 

Como estudasse o dia inteiro, retornava exausto para a casa da boa senhora e dormia até a manhã seguinte sem interrupção. 

Até que os sonhos começaram. 

Imagens perturbadoras envolvendo violência e morte. Desconhecidos invadindo a casa e assassinando com requintes de crueldade a proprietária, e vindo em seguida no meu encalço. Eu despertava assustado, indo no meio da noite verificar se todas as portas e janelas estavam bem fechadas. 

Encontrava apenas a dona da casa. Uma alma perdida e sozinha em passos vagarosos pela sala, mantendo alguma forma de comunicação com algo que existia apenas dentro de sua cabeça. 

Naquela noite, porém, a curiosidade, mãe de todas as descobertas, boas e más, redentoras e terríveis, faria com que eu me aproximasse da velha sonâmbula para tentar ouvir-lhe os sussurros. 

E o que ouvi me estarreceu: 

“Venham. Venham. Eu trouxe mais um. Podem vim. Ele está aqui. Comigo. Carne jovem. Macia.” 

Imediatamente tratei de sacudir, não me importando com o que diziam sobre acordar sonâmbulos, a senhora adormecida. Ela, no entanto, não só continuava naquela espécie de transe macabro, como transformara os discretos sussurros em gritos escandalosos, oferecendo carne macia como se numa feira. E então, atendendo à convocação da mulher, todas as portas da casa se abriram. E eles entraram.