quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Feia



“Deixa eu ver o teu rosto”, ele pediu.
Tentava trazê-la para fora da sombra. Tentava iluminar a face pela qual já se considerava apaixonado, embora só a tivesse visto através de fotos na internet.
Ela, porém, não se moveu.
“Vem”, ele insistiu, com a impaciência própria dos jovens. Puxou-a, e de tão entusiasmado acabou abrindo mão da delicadeza.
Então ela cedeu. Involuntariamente. Bruscamente. Quatro, cinco passos e estavam os dois na luz.
Ele recuou. Recuou e soltou-lhe as mãos, achando-as agora frias e enrugadas. Ao olhar para ela, o susto foi maior do que a elegância, e naquele instante não havia nada que o fizesse calar o grito.
Quis dizer que ela era feia. Mas o adjetivo lhe pareceu insuficiente.
“O que é você?”, ele perguntou, cheio de aspereza e indignação, enquanto ela retornava humilhada para a sombra. “O que é você e o que pensa que eu sou?”
Após o susto, veio a raiva. Sentiu que havia sido enganado. Mais do que isso, agredido. Tanto que os punhos imediatamente se fecharam, o sangue lhe subiu à cabeça e ele a esmurrou.

*

Dois anos depois, estavam casados e ela esperava o segundo filho. Os amigos, os que o conheciam bem, viviam a se perguntar o que possuía aquela mulher que conseguira conquista-lo. Logo ele, que só saía com modelos de capas de revista. Ela havia conseguido um milagre.

Ele quase não falava mais. Um meio sorriso permanentemente estampado no rosto e um olhar perdido marcariam a sua expressão dali por diante.
Para todos, um sinal de felicidade. Quem conseguisse passar mais tempo com ele, no entanto, não deixaria de notar os pequenos tremores, no rosto e no corpo.
Também não passaria em branco a completa incapacidade de fechar as mãos.