Você tem certeza de que não há problema em deixar, no final de
semana, as crianças na casa da avó. Além do mais, a viagem já está marcada,
você precisa desse trabalho (o pagamento é bom e vai ajudar na mensalidade do
mestrado) e os médicos garantiram que a velha está plenamente recuperada da
última crise. Além do mais, há uma enfermeira.
Não há nada – nada, você repete a si mesmo – que possa dar errado.
*
De volta para casa, as crianças no
carro, você sente. Algo está errado.
“O que houve? Aconteceu alguma coisa
na casa da vovó?”
“Nada.”
“Está tudo bem?”
“Está.”
Estão caladas demais. Dispersas
demais. Em casa, a primeira coisa que você faz é ligar pra velha.
“Aconteceu alguma coisa com as
crianças?”
“Não.”
“Elas brigaram? Se machucaram?
Fizeram alguma coisa?”
“Nada.”
A velha, também diferente.
*
As crianças se trancaram no quarto.
Você chama as três. Bate na porta. Com força. Esmurra a porta. Vai ter que
arrombar.
Porta enfim aberta, as crianças
estão sentadas na cama.
“Por que trancaram a porta?”
“Não trancamos.”
“Eu tive que arrombar!”
“Não fomos nós.”
“Quem foi? Não tem mais ninguém
aqui.”
As crianças não respondem.
*
Você telefona pra velha.
“Tem alguma coisa errada com as
crianças. O que você fez?”
“Não quero falar com você.”
Ela desliga na sua cara. Você liga
de novo.
Atende a enfermeira.
“Ela não está. Saiu.”
“Acabei de falar com ela.”
“Ela saiu com o filho dela.”
“O filho dela sou eu.”
“Não é.”
Agora é a enfermeira que desliga na
sua cara.
Antes que você tenha tempo de
xingar, as crianças entram no seu quarto e trancam a porta.