sexta-feira, 23 de março de 2018

Errado



Você tem certeza de que não há problema em deixar, no final de semana, as crianças na casa da avó. Além do mais, a viagem já está marcada, você precisa desse trabalho (o pagamento é bom e vai ajudar na mensalidade do mestrado) e os médicos garantiram que a velha está plenamente recuperada da última crise. Além do mais, há uma enfermeira.
            Não há nada – nada, você repete a si mesmo – que possa dar errado.

*

            De volta para casa, as crianças no carro, você sente. Algo está errado.
            “O que houve? Aconteceu alguma coisa na casa da vovó?”
            “Nada.”
            “Está tudo bem?”
            “Está.”
            Estão caladas demais. Dispersas demais. Em casa, a primeira coisa que você faz é ligar pra velha.
            “Aconteceu alguma coisa com as crianças?”
            “Não.”
            “Elas brigaram? Se machucaram? Fizeram alguma coisa?”
            “Nada.”
            A velha, também diferente.

*

            As crianças se trancaram no quarto. Você chama as três. Bate na porta. Com força. Esmurra a porta. Vai ter que arrombar.
            Porta enfim aberta, as crianças estão sentadas na cama.
            “Por que trancaram a porta?”
            “Não trancamos.”
            “Eu tive que arrombar!”
            “Não fomos nós.”
            “Quem foi? Não tem mais ninguém aqui.”
            As crianças não respondem.

*

            Você telefona pra velha.
            “Tem alguma coisa errada com as crianças. O que você fez?”
            “Não quero falar com você.”
            Ela desliga na sua cara. Você liga de novo.
            Atende a enfermeira.
            “Ela não está. Saiu.”
            “Acabei de falar com ela.”
            “Ela saiu com o filho dela.”
            “O filho dela sou eu.”
            “Não é.”
            Agora é a enfermeira que desliga na sua cara.
            Antes que você tenha tempo de xingar, as crianças entram no seu quarto e trancam a porta.